A discussão sobre fair play financeiro no Brasil alcançou novos patamares com o sucesso do Botafogo no Campeonato Brasileiro e sua presença nas quartas de final da Libertadores. O clube, agora liderado por John Textor, tornou-se o centro das atenções, especialmente devido ao incômodo gerado nos rivais pelo volume de investimentos realizados.
Carlos Eduardo Mansur, comentarista do “Redação SporTV”, expressa preocupação não com o investimento em si, mas com as formas como alguns clubes, como o Corinthians na contratação de Memphis Depay, lidam com suas finanças:
Sentar à mesa para discutir fair play financeiro por causa do Botafogo vai levar aos piores resultados. Porque o início da conversa vai ser ruim, embora também seja possível, entre outros temas, incluir Botafogo e Bahia, discutir se em competição que tem clubes precisando fechando no azul e um que pode ter perdas por que tem dono colocando dinheiro é saudável do ponto de vista da igualdade. Pode discutir junto à divisão dos recursos. Mas a disposição tem que ser de construir competição saudável (...) Não tem nenhuma regra no Brasil que impeça clubes que não pagam seus compromissos de continuar inscrevendo jogador. “Ah, tem patrocinador que vai arcar com custo”. Isso não encerra o debate financeiro de clube com dívida de R$ 2 bilhões com dificuldades para cumprir compromissos correntes. Se faltava um rosto famoso para exemplificar por que o futebol brasileiro é descontrolado e precisa de regulações, daí o debate fair play financeiro, caso venha a ser travado com honestidade e princípios, não com casuísmos. É construir ambiente regulado para ter futebol mais saudável. Se precisava de rosto, está aí. É só pegar o rosto do Depay na apresentação. É o retrato do descalabro do futebol brasileiro. Me incomoda porque estamos quase sempre discutindo com objetivo de tirar vantagem ou impedir vantagem de um clube se destacando. É ruim se destacar do fair play financeiro como mecanismos de proteção de clubes, porque ele de fato é. O Cruzeiro não aconteceria, o que quase quebrou. Em meio a tantas temporadas que produziu resultados esportivos que não se sustentavam na realidade econômica, com dívida galopante, o processo de país com regulação interromperia no meio.
Não gosto do exemplo que o fair play financeiro seja desenhado para manter status. Existem clubes que com investimento cresceram no cenário internacional, como Manchester City. Vai se discutir se burlaram regras, tem 115 acusações, acho que punição vai vir, de maneira exemplar. Há várias maneiras de desenhar o fair play financeiro, não tem maneira única. Pode por exemplo permitir nível de perda ou aportes proporcionais a receitas, mas excedendo, durante um tempo. A questão é não manter um clube dependente de uma empresa ou pessoa estranha ao jogo. O Corinthians tem contrato com empresa de apostas que vai bancar Depay, não tem recursos para pagar, mas e se essa empresa quebrar? Federativamente, o contrato do Depay é com o Corinthians. Quando tem aportes superiores à capacidade de receita, faz ficar muito dependente de pessoa ou empresa. Se acontece algo na vida do mecenas, familiar, de saúde, o clube está pendurado?
Visão de Rodrigo Capelo sobre a Gestão Financeira no Esporte
Rodrigo Capelo, especialista em negócios esportivos, traz uma abordagem pragmática ao tema em sua coluna no “O Globo”. Ele questiona: se um clube mantém salários, impostos e dívidas em dia, por que não investir? Segundo ele, o problema está naqueles que falham em honrar seus compromissos.
O problema é que, do lado de cá do oceano, não se tira a camisa para argumentar sobre temas dessa natureza. Há flamenguista incomodado com os gastos de John Textor no Botafogo, por exemplo, que se prende a “não pode gastar mais do que arrecada”. Calma lá. Salários estão em dia? Impostos são recolhidos? Acordos por compras de atletas são honrados? Credores são pagos? Se as respostas forem positivas, não é errado haver ciclos de investimentos e dívidas. É melhor voltar ao básico, para que a gente não se perca nas picuinhas do meio do caminho. fair play financeiro não existe para equilibrar o campeonato, e sim para tornar a indústria mais saudável. Clube que vende jogador precisa receber em dia, atleta que recebe promessa de salário deve ter o contracheque em ordem, e assim por diante. Lá no fim da linha, também é uma questão de integridade. Sacanear um adversário em desvantagem é uma grande covardia.
Essa visão é reforçada pela posição crítica de Capelo sobre como o fair play financeiro é tratado no Brasil, muitas vezes influenciado por rivalidades mais do que por uma análise econômica realista.
Fair play financeiro é um assunto tão maltratado pelo clubismo. Vamos recapitular. Toda vez que se fala, sinto uma confusão. É um conjunto de regras para tornar o campeonato mais saudável, para que clubes não exagerem nas dívidas, paguem suas contas em dia, não tenham prejuízos exorbitantes por tempo demais. É com o objetivo de tornar o campeonato mais saudável, não de tornar mais equilibrado. Aqui no Brasil quando se fala de fair play financeiro é quando alguém está incomodado com dinheiro do amiguinho, com contratação de algum rival, com alguém despontando na tabela, como flamenguistas olhando para o Botafogo.
Textor tem razão nesse ponto. O Botafogo hoje tem finanças em que gasta mais do que arrecada, teve Ebitda negativo por dois anos, a diferença entre despesa e receita, contratou um monte de jogadores com dinheiro vindo do bolso do John Textor. É uma situação obviamente menos volumosa de dinheiro porque John Textor não é Catar ou Emirados Árabes. O Botafogo, se não puder se endividar um pouco, contratar jogadores, investir com dinheiro do seu dono, está condenado a viver com o tamanho de sua receita, que é muito menor que a de outros. O Flamengo fatura R$ 1 bilhão, o Botafogo estava em R$ 200 milhões quando Textor chegou. É muito cruel condenar um clube e dizer que não pode se arriscar além da sua própria receita. O que se faz é fair play que não vai olhar e pensar em prejuízo, vai olhar se está pagando credores em dia, salários, parcelas de jogadores comprados. Tudo isso me parece que o Botafogo está pagando. Se estiver pagando tudo em dia, estar com dívida um pouco acima em ciclo de investimento não está errado. Um sistema de fair play financeiro bem feito não iria proibir. O que não pode é viver isso loucamente, sem controle, sem consciência e quebrar o clube. Aí sim o Textor perderia a razão.
Cesar Grafietti e os Parâmetros de Fair Play Financeiro
Cesar Grafietti, consultor de gestão esportiva, em entrevista ao “UOL Esporte”, defende que o Botafogo está dentro dos limites aceitáveis de gasto com salários, contradizendo as acusações de práticas financeiras irresponsáveis.
Estaria sim. O projeto começou em 2018, foi entregue em 2019. Em 2021, depois de pandemia, nós fizemos uma readaptação desse projeto, já sob uma nova ótica, passados os problemas da pandemia, e uma das restrições é claramente o limitador de gastos, que não era só salário, porque na média, no Brasil, os clubes gastam ali entre 45 e 55% das receitas em salário. Os clubes gastam muito em outras coisas que o torcedor nem sabe, nem vê, e aí vai cobrar só o gasto com salário, mas ali, a área social, outros gastos, acabam consumindo muito da receita dos clubes. Então, esse era um dos itens. Se for verdade que 45% das receitas estão sendo gastas em salário, estaria dentro.
O ponto do Botafogo hoje, para mim, é um falta de transparência. A gente fica ouvindo o dirigente falar e ele não mostra números, isso é um pouco da história do brasileiro. E o torcedor gosta muito de ouvir o dirigente falar, até porque não entende muito do número, não entende muito da informação e aí cai na conversa do dirigente o tempo inteiro. Quando você vai ver o número depois, não é bem essa a realidade.
No Brasil, nós optamos por um modelo que junta um pouco as dívidas, que são muito altas no futebol brasileiro, e os gastos. Combinando as duas coisas, de uma forma que aquele clube que tenha poucas dívidas pode gastar mais da sua receita, e aquele clube que tenha mais dívidas tem que gastar menos, porque tem que sobrar dinheiro para pagar as contas. Nós usamos muito mais aqui o conceito de dívida, porque o futebol é mais endividado do que na Europa, enquanto na Europa se observa muito mais a performance, digamos assim. O Botafogo poderia se encaixar na questão do controle das dívidas, porque a aquisição nunca é feita à vista. Você compra para pagar em três, quatro, cinco anos. Então, se o clube se endivida demais em relação às suas receitas, provavelmente seria de alguma maneira sancionado, considerando o nosso modelo. Na Europa, isso é completamente ignorado. Inclusive, na Europa, se permite muito que o acionista coloque aporte recursos para cobrir prejuízos. Na Inglaterra, até 90 milhões de libras podem ser aportadas pelo acionista para cobrir prejuízos acumulados em três anos. Então, no caso do Botafogo, por conta das dívidas de aquisição, sim, poderia ser uma forma de quebrar as regras, digamos assim – esclareceu, antes de falar dos clubes que dão calotes em outros.
Esse é o ponto central do que é o sistema. O objetivo dele é evitar atraso, evitar falta de pagamento. Seja para outros clubes, seja pagamento de salários, seja pagamento de impostos. Então, quando a gente ouve muita discussão ali, o Flamengo, o Botafogo, o Palmeiras, quem contratou mais? Ou o Cruzeiro. Ninguém fala do Cruzeiro, mas também investiu bastante em contratações. Esse é um problema que eu diria menor, isso não é nem um problema. São investimentos que estão sendo feitos. O problema está naquele clube, como você citou, o Corinthians, que contrata e não paga, que não paga salário, que costumeiramente não recolhe impostos e encargos. Esse é o clube que destrói a estrutura. E o fair play financeiro vem com o conceito de tentar manter a estrutura do futebol equilibrada. Por quê? A partir do momento que o Corinthians ou qualquer outro clube faz isso, gasta sem lastro, sem capacidade, passa a dever todos os outros clubes da estrutura, os outros olham como exemplo e falam, se eu não fizer a mesma coisa, eu não serei tão competitivo quanto. Você gera ali uma bola de neve que você vai fazendo outros clubes tomarem a mesma atitude.
Atrasou pagamentos? Transfer ban, controle, cobra, não deixa contratar de novo, que são as sanções. As sanções mais comuns são essas, transfer ban até resolver o problema. Na Inglaterra, você tira pontos quando o clube viola o fair play financeiro. Agora, qual é a grande dificuldade desse sistema? É você ter a capacidade de sancionar o clube, porque o clube está sempre dois passos à frente do legislador. Isso é o clube, mas em qualquer situação na vida, o clube está sempre dois passos à frente da lei.
Tem uma dificuldade muito grande em você conseguir tirar pontos no Brasil. Então, a ideia é sempre esse é um modelo educativo e não um modelo necessariamente punitivo. A educação no clube de futebol é você evitar que o clube gaste. Isso é o que garante um nível de estabilidade, ou pelo menos de encaminhamento para essa estabilidade. Então, a principal sanção no Brasil seria o transfer ban. Não contrata enquanto estiver devendo, ponto. Essa é a primeira regra. Extrapolou as regras, extrapolou os limites, não contrata. A coisa que o dirigente mais tem horror é ser proibido de contratar, porque é justamente a válvula de escape para sair de pressão da torcida, da própria imprensa, enfim. Então, quando você cria um sistema onde ele aplica o transfer ban por atrasos, acabou. O dirigente vai se esforçar ao máximo para evitar isso, que é o que acaba acontecendo com todo mundo. Tirar pontos, é uma discussão que nós tivemos com o STJD, com o CNRD, com advogados. É sempre muito difícil você conseguir implantar no Brasil um sistema como esse, de tirar pontos, que talvez pudesse ser também educativo, mas… Então, o transfer ban afeta diretamente o bolso do dirigente.
Críticas ao Corinthians e Defesa do Botafogo
Danilo Lavieri, do “UOL”, critica o Corinthians pela alta cifra envolvida na contratação de Depay, destacando como o Botafogo é visto como vítima em um cenário de críticas desproporcionais.
É algo bastante trivial em qualquer campeonato mais organizado de elite regras financeiras que impediriam essa operação. Nos últimos dias o Botafogo se colocou como uma grande vítima de perseguição por causa do tema, mas a chegada do holandês no Timão é outro que escancara a urgência de regulamentação nesse sentido no país.
Como pode uma equipe que não tem seus compromissos em dia estar firmando um acordo com um jogador desse nível? É justo com o Cuiabá que não recebe o pagamento por Raniele em dia ver o seu concorrente direto contra o rebaixamento se reforçando? É justo com quem prestou serviços ao time e não recebeu o combinado?
Ainda que o dinheiro injetado seja de um patrocinador, não existe, em um campeonato, você permitir que uma equipe gaste sem estar com todos os seus outros compromissos em dia. É injusto com quem faz o certo, que é honrar com os pagamentos. Isso é ou não é doping financeiro?
Nos últimos tempos, o assunto fair play financeiro no Brasil tem virado debate por conta do Botafogo, que investe em contratações praticamente 100% do seu faturamento recorrente. Essa é outra prática que não é permitida em nenhum sistema de fair play financeiro europeu. Mas mais grave do que contratar com dinheiro que não está no seu faturamento é continuar no mercado sem pagar as parcelas de suas outras contas. É um escárnio.
Dívidas e Fair Play Financeiro: A Ironia de Paulo Calçade
Paulo Calçade, no “Linha de Passe” da ESPN, ironiza a emergência do debate sobre fair play financeiro, sugerindo que as críticas são motivadas mais por interesses próprios dos clubes do que por uma preocupação genuína com a saúde financeira do futebol brasileiro.
Vamos falar de fair play? Perfeito. Começa pela dívida. Você tem 1 bilhão de dívida? Qual é o plano para pagar a dívida? Nós vamos criar metas para você. Se isso não for colocado na mesa, não tem conversa de fair play. É fair play. Tá bom. Todo mundo assina aqui o fair play. Aí o Corinthians tem uma dívida de 2,1 bilhão, e ele vai, dentro do fair play, para 2,5. Que fair play é esse? Corinthians, como é que você vai baixar isso aqui? Qual é o seu plano? Você tem tanto tempo. Botafogo, você também tem. O São Paulo… Todo mundo tem dívida. Então tem que ter um projeto para cada um, de acordo com a sua arrecadação. O que não pode é o seguinte… Você entendeu que agora essa ideia de fair play é só para controlar aquele dinheiro que está chegando? É o rival: “Eu quero o fair play para você. Você está gastando muito.” Por exemplo, tem aquele que quer o fair play financeiro, mas não quer ser SAF, porque não quer entregar. Aí o outro virou SAF dentro da legislação, obviamente ele está num outro trilho completamente diferente. Ele não quer se tornar SAF, mas quer controlar o dinheiro do outro.
Ubiratan Leal e o Status Quo Europeu
Ubiratan Leal discute como o fair play financeiro pode reforçar o status quo no futebol europeu, trazendo desafios para sua implementação no Brasil que vão além da mera regulamentação.
Muita gente fala em fair play financeiro pensando que isso é um conceito de justiça econômica, até porque é o que o nome indica, um jogo justo financeiro, justiça econômica de igualdade. Até por isso, muita gente se vê induzida a falar, quando Palmeiras e Flamengo estão ganhando muito, que estão com times muito mais fortes e ganham muito, “tem que implementar fair play financeiro para parar”. Teoricamente, isso não faria diferença. Na verdade, Palmeiras e Flamengo defendem o fair play financeiro porque até tende a beneficiá-los. Porque o fair play financeiro não é uma ferramenta de igualdade na distribuição de recursos, isso da igualdade é uma outra discussão que até pode ser feita em conjunto com o fair play financeiro, ser até um mecanismo que faça parte de uma negociação.
Fair play financeiro é o quê? Fair play financeiro é criar um jogo justo para que um time não gaste um dinheiro que não tem para ter uma vantagem injusta em campo. Por exemplo, vamos pegar dois times que tem o mesmo faturamento, vamos dizer R$ 500 milhões de faturamento. Exemplo hipotético, não estou me inspirando em ninguém. Dois times têm R$ 500 milhões de faturamento, só que na hora de montar o time, um time gasta R$ 400 milhões para montar o time, os outros R$ 100 milhões são para outros gastos. Só que o outro vai lá, ganha R$ 500 milhões, gasta R$ 700 milhões, monta um time de R$ 700 milhões. Esse time de R$ 700 milhões é quase duas vezes mais caro que o time de R$ 400 milhões. Teoricamente, tende a ser melhor, tem jogadores mais caros. Claro que existe o fator incompetência, existe o fator margem de erro, mas ele tende a ser melhor. Chega no final do campeonato, o time de R$ 700 milhões é campeão, o time de R$ 400 milhões não. Que se dane, que se lá no futuro o time de R$ 700 milhões contraiu dívida, atrasou o salário de jogador, não pagou, o jogador que foi contratado do outro clube ele não pagou direito, ou fica querendo renegociar, sei lá o quê, ou simplesmente ficou com a dívida acumulada, jogou pra frente, pegou um empréstimo bancário, jogou pra frente, e dali a dois anos que essa bomba vai estourar. Ele honrou os compromissos naquele momento, mas porque deixou a bomba armada pra estourar lá pra frente, isso é justo? Ele foi campeão gastando dinheiro que não tem, enquanto um time que gastou só o que tinha, tentou fazer as coisas certinho, acabou tendo um time pior, com menos condições em campo, acabou perdendo, então o fair play financeiro é para isso.
Uma crítica que existe é que se faz com que os clubes que faturem mais fortes possam gastar mais, ou seja, eles continuam sendo os grandes. Então, os grandes continuam sendo os grandes, os pequenos continuam sendo pequenos, e os médios continuam sendo médios. Vai demorar muito tempo para mudar. Até você conseguir gastar R$ 700 milhões, montar um time de R$ 700 milhões, de R$ 800 milhões, foram muitos anos ali sempre superando a expectativa, é muito trabalhoso, enquanto isso, o clube grande vai ter muito mais condição de ficar no topo, porque vai ter um estádio maior, vai ter uma torcida maior, então vai conseguir mais dinheiro de patrocínio. Eventualmente, dependendo do acordo de TV, como for o modelo de acordo de TV, vai conseguir um acordo de TV melhor para uma ou outra situação, talvez consiga lotar o estádio mesmo cobrando ingresso um pouco mais caro do que o time que tem menos torcida, então mesmo. Vai ter um faturamento naturalmente muito alto, mesmo que faça muita bobagem, vai continuar tendo um faturamento alto, então ele vai conseguir ter os tais R$ 700 milhões, porque de repente, mesmo fazendo muita bobagem, ele fatura perto de R$ 1 bilhão e daí monta um time de R$ 700 milhões. O grande tende a continuar sendo grande, o pequeno fica sendo pequeno, porque ele vai ter que sempre ter gastos de time pequeno, essa é uma crítica que existe ao fair play financeiro, e por isso é importante que a discussão de fair play financeiro seja muito bem feita.
O futebol brasileiro tem uma situação mais grave, mais forte. Tem mais clubes que estão financeiramente muito endividados. O Brasil tem um futebol em que essa questão de investimento externo de compradores, investidor, dono, essas coisas, é muito novo ainda, que é o modelo das SAFs, então o fair play financeiro e as regras do fair play financeiro, mesmo da UEFA, têm esse tipo de mecanismo de fazer um cálculo do quanto é liberado de um time investir inicialmente. Mesmo que o clube neste primeiro momento não fature isso, mas se o clube for vendido, um investidor tem uma margem que ele pode no primeiro ano, nos primeiros anos, dar um aporte que entra de forma diferente no cálculo de fair play financeiro, porque é um aporte de salvar o clube, é um aporte de compra do clube.
Claro que ele não pode sair botando tanto quanto ele quiser, porque tem que ter controle sobre isso também. Por exemplo, na situação do Botafogo, o John Textor comprou, daí tem que ver que parâmetros que o Brasil resolve adotar pra isso, que números que passam a ser válidos ou não. Nesse primeiro momento, o quanto desse aporte seria permitido? Quanto o Brasil vai considerar válido? Porque qualquer situação de SAF no futebol brasileiro vai ter um aporte inicial, no mínimo um aporte de pagar dívida e ajeitar o time, porque os clubes que estão entrando nessa estão com muitos problemas, sobretudo de dívidas. Como é que vai fazer o cálculo do quanto desse aporte inicial desses primeiros anos é um aporte válido dentro de conceitos que o futebol brasileiro considere justo, válido e necessário ter para manter a capacidade de investimento dos times? Ou simplesmente considera que não quer saber, esse investimento inicial vai ser muito restrito e que trate de acertar a organização e ir com as próprias pernas ali, com o que já tinha tentando crescer organicamente, o que seria muito mais lento. Por isso eu acho muito difícil que o Brasil não tenha algum cálculo que permita um aporte inicial. Tem que considerar isso, na Europa tem isso também.
Em longo prazo seria uma proposta interessante, só tem que ver se o Brasil consegue estipular, fazer um cálculo justo e que considere a realidade. Imagino que o cálculo de fair play financeiro tenha que considerar um mecanismo para aportes iniciais para reconstrução de clube, uma ferramenta de reconstrução de algum investidor que chegue, por exemplo, e queira primeiro ajudar, por exemplo, a pagar dívidas monstruosas que estão vencendo. O clube tem que ter condição de continuar trabalhando de forma minimamente competitiva e pagar essas dívidas.
É uma discussão necessária do futebol brasileiro, sim, fair play financeiro é uma necessidade. O futebol brasileiro não pode continuar fingindo que está alheio à realidade econômica, tem que pagar suas dívidas, o dirigente incompetente tem que ser banido do futebol, e a melhor forma de fazer ele ser banido do futebol é que essa incompetência seja punida. Se os clubes começarem a sofrerem na pele pela incompetência de seus dirigentes, eles próprios começam a trabalhar para não terem mais dirigentes tão incompetentes assim.
A Reclamação do Palmeiras e a Resposta de Nicola
Leila Pereira, presidente do Palmeiras, argumenta fortemente pela adoção do fair play financeiro, enquanto Jorge Nicola revela que o Palmeiras possui dívidas pendentes, o que complica a imagem de integridade que o clube tenta projetar.
Segundo Nicola, o Palmeiras deve cerca de R$ 3 milhões ao Juventude desde fevereiro por conta da venda do meio-campista Kauan Santos para o Shabab Al Ahli, dos Emirados Árabes. O clube Gaúcho tem direito a 30% da negociação, feita por R$ 10 milhões (cerca de US$ 2 milhões).
A Perspectiva do Fortaleza e a Ironia de Montenegro
Marcelo Paz, CEO do Fortaleza, e Carlos Augusto Montenegro, ex-presidente do Botafogo, fornecem visões distintas sobre o fair play financeiro, com Paz solicitando regras mais claras para investimentos de SAFs e Montenegro criticando a hipocrisia dos clubes que agora pedem regulamentação.
Marcelo Paz:
Eu, particularmente, tenho duas opiniões sobre o assunto: Primeiro, acho que o clube devedor, por exemplo, que está em atraso com compras de jogadores principalmente a outros clubes, não deveria poder contratar. Deveria ter uma limitação, porque isso é um tipo de doping financeiro. Esse clube, então devedor, pode prejudicar seus rivais por trazer um jogador sem fazer o devido pagamento, faz uso desse jogador e tem um ganho esportivo sem o desembolso financeiro apropriado.
É estranho quando um clube, por exemplo, gasta só em contratações mais do que o seu próprio orçamento. Então de onde vem esse dinheiro? Como é que isso foi contabilizado? Passou pelo conselho do clube? Sei que hoje existem clubes associativos, os clubes de SAF que são donos, e por vezes o dono aporta. E mesmo assim, na minha opinião, tem que ter um limite de controle para que a disputa esportiva seja mais justa.
Não sou a favor de limitação de salários, nem mesmo de contratações, desde que o clube demonstre a capacidade de fazer isso com as suas receitas. Por exemplo, o Flamengo é um bom caso para isso. É um clube que consegue receitas altíssimas por competência e consegue, assim, contratar grandes jogadores e pagar seus salários, sem infringir qualquer questão financeira de fair play esportivo.
Carlos Augusto Montenegro:
Lá, na Inglaterra, na Premier League, a diferença entre o primeiro e o vigésimo é mínima, todos recebem a mesma coisa e o campeonato é mais competitivo. Isso é fair play. Agora, o Flamengo ganhar cinco vezes mais que os outros, o Corinthians… Então, agora que a gente (Botafogo) é poderoso, que está mudando o sistema, já que a CBF não tem competência para isso. Agora, que temos o John Textor, que está pagando a nossa dívida e está contratando gente, você tem que investir, você tem que botar mais sócio, ter mais publicidade na camisa.
Há 20 anos o Brasil tem que tomar vergonha. O Brasil envergonhou o país inteiro com o 7 a 1, apanhando da Alemanha. O absurdo de nem ir nessa Olimpíada, o futebol brasileiro que sempre foi admirado. A CBF é uma vergonha e, sendo uma vergonha, faz com que as nossas seleções passem vergonha. Nós estamos no meio de uma data Fifa, dá tristeza, é um vácuo de 15 dias no futebol. O Campeonato Brasileiro está muito melhor do que Eliminatórias de seleção. O Campeonato Brasileiro, a Libertadores, estão muito mais competitivos. O Brasil jogou sexta-feira, vai jogar terça, é horrível.
Conclusão
A discussão sobre fair play financeiro no Brasil está longe de ser uma questão resolvida. Com diferentes vozes contribuindo para o debate, fica claro que uma solução eficaz deve considerar não apenas a equidade competitiva, mas também a realidade financeira complexa que envolve o futebol nacional.