A análise recente feita pelo Correio Braziliense revela os efeitos colaterais dessa dança, onde grandes eventos musicais mudaram a tabela da Série A e despejaram clubes de suas casas

Quando a música e o futebol disputam o centro do palco, os estádios se transformam em arenas multiuso, palco de uma batalha entre os acordes e os gols. A análise recente feita pelo Correio Braziliense revela os efeitos colaterais dessa dança, onde grandes eventos musicais mudaram a tabela da Série A e despejaram clubes de suas casas.

Futebol x Música nos Estádios

No Brasil pós-Copa do Mundo de 2024, os estádios abraçaram uma nova identidade. Mais do que meros locais para partidas de futebol, eles se tornaram espaços multifuncionais, abrindo suas portas para shows e uma gama variada de eventos. O aspecto financeiro dessa versatilidade é inegável: múltiplas fontes de receita. Contudo, essa flexibilidade tem um preço para o esporte, como revelou a temporada de 2023 da Série A do Campeonato Brasileiro. Doze jogos foram realocados de seus estádios originais devido a conflitos de datas com eventos musicais.

O ano viu o Brasil receber artistas de renome internacional, porém, seis clubes sofreram diretamente com essa realidade. Proprietários de arenas versáteis, times como Palmeiras, São Paulo, Coritiba e Atlético-MG tiveram que ajustar suas agendas no Brasileirão para ceder espaço a shows. Essa situação emergiu quando locais emblemáticos como Allianz Parque, Morumbi, Couto Pereira e Arena MRV entraram no circuito dos grandes eventos. Inquilino e concessionário de Mineirão e Nilton Santos, respectivamente, Cruzeiro e Botafogo também foram forçados a mudar seus planos em diversos momentos da temporada.

Em meio à batalha contra o rebaixamento, o Cruzeiro foi o mais impactado, mudando de casa em três ocasiões, além de ter sua capacidade de público reduzida em outro jogo. O impacto nos resultados esportivos foi notável: em 12 pontos disputados nessas condições, a equipe conquistou apenas quatro. Em seguida, o Palmeiras, com três jogos transferidos, viu-se na mesma situação. A parceria com a W Torre, que administra o Allianz Parque, exigiu que o clube cedesse espaço para shows de grande porte, como os de The Weeknd, Roger Waters e GP Week.

Nessas mudanças, o Alviverde se viu obrigado a jogar na Arena Barueri, gerida pelo grupo da presidente Leila Pereira desde setembro. Apesar de ter conquistado seis dos nove pontos disputados nesses jogos, o técnico Abel Ferreira expressou desconforto com a situação, enfatizando a diferença de ambiente e o apoio da torcida: "Não estamos apenas jogando contra nossos adversários, mas sair da nossa casa... Agradeço aos 17 mil presentes aqui, mas na nossa casa colocamos 40 mil, 42 mil... O barulho é diferente. Com todo respeito, este não é o ambiente que me sinto confortável, nem nos bancos."

O Botafogo, líder do campeonato, também enfrentou desafios semelhantes. Durante a derrota para o Cuiabá, o show de Roger Waters resultou no bloqueio de milhares de assentos no estádio. No entanto, o saldo mais doloroso veio durante a apresentação da banda RBD, quando o clube precisou se deslocar para São Januário e sofreu uma derrota por 4 x 3, com três gols de Luís Suárez. Na coletiva após a vitória, o técnico Renato Gaúcho admitiu que o jogador uruguaio não teria atuado se o jogo fosse no gramado sintético do Nilton Santos. O clube estima um lucro de R$ 25 milhões com eventos não relacionados ao futebol.

A imprevisibilidade desses eventos também impactou o Coritiba, que teve que mudar seu jogo contra o Cruzeiro para a Vila Capanema devido ao show do Red Hot Chili Peppers. Conflitos entre torcidas no local resultaram na decisão de jogar sem público até o fim do Brasileirão.

Clubes como Palmeiras, Cruzeiro e Botafogo tiveram suas rotinas seriamente afetadas pela imprevisibilidade dos eventos musicais. O calendário do futebol muitas vezes colidiu com os interesses dos shows, resultando em mudanças de local, capacidade reduzida de público e, em alguns casos, o desconforto dos times em atuar fora de seus estádios.

Veja partidas impactadas:
 

9ª rodada
Cruzeiro 0 x 1 Atlético-MG
Do Mineirão para o Parque do Sabiá
Motivo: festival Só Track Boa

12ª rodada
Cruzeiro 1 x 0 São Paulo
Do Mineirão para o Independência
Motivo: festival Ore Comigo Music

25ª rodada
Palmeiras 1 x 2 Santos
Do Allianz Parque para a Arena Barueri
Motivo: show de The Weeknd

30ª rodada
Botafogo 0 x 1 Cuiabá
Capacidade reduzida no Nilton Santos
Motivo: show de Roger Waters

32ª rodada
Palmeiras 1 x 0 Athletico-PR
Do Allianz Parque para a Arena Barueri
Motivo: GP Week

Cruzeiro 1 x 2 Internacional
Capacidade reduzida no Mineirão
Motivo: show de Roger Waters

33ª rodada
Botafogo 3 x 4 Grêmio
Do Nilton Santos para São Januário
Motivo: show da banda RBD

São Paulo 1 x 0 Bragantino
Do Morumbi para a Vila Belmiro
Motivo: shows de Roger Waters e da banda RBD

Cruzeiro 2 x 2 Vasco
Jogo adiado
Motivo: show de Roger Waters

34ª rodada
Coritiba 1 x 0 Cruzeiro
Do Couto Pereira para a Vila Capanema
Motivo: show da banda Red Hot Chili Peppers

Palmeiras 3 x 0 Internacional
Do Allianz Parque para a Arena Barueri
Motivo: show de Roger Waters

Futuras mudanças
37ª rodada (3/12)
Atlético-MG x São Paulo
Da Arena MRV para o Mineirão
Motivo: show de Paul McCartney

O impacto dessas mudanças vai além do aspecto esportivo. Treinadores expressaram preocupação com o ambiente e o suporte da torcida em estádios alternativos. A diferença na atmosfera e nas condições de jogo é notável, afetando não apenas o desempenho dos times, mas também a experiência dos jogadores e a conexão emocional com os fãs.

A situação também levanta questões sobre a gestão de calendários entre os eventos esportivos e culturais. A sobreposição de datas entre jogos de futebol e shows de grande porte tem sido um desafio, resultando em mudanças que impactam diretamente os clubes e suas competições. As arenas multiuso proporcionam uma fonte adicional de receita, mas a gestão desses espaços para garantir a realização dos eventos esportivos de forma consistente tornou-se um dilema para os gestores e dirigentes.

Outro ponto a considerar é o efeito sobre os torcedores. A alteração de locais e a capacidade reduzida nos estádios podem afetar a presença e a participação do público, influenciando diretamente na atmosfera e no apoio às equipes. Isso não apenas impacta o desempenho dentro de campo, mas também a experiência dos torcedores, que muitas vezes são privados de assistir aos jogos em seus locais habituais.

A busca por um equilíbrio entre as demandas do futebol e os eventos culturais é um desafio complexo. Encontrar soluções para minimizar os impactos negativos nos clubes, jogadores e torcedores é essencial para manter a integridade das competições esportivas, ao mesmo tempo em que se aproveita o potencial das arenas multiuso para atrair diferentes tipos de eventos.

À medida que o futebol e a música continuam a compartilhar os holofotes nas arenas brasileiras, a necessidade de uma gestão cuidadosa do calendário se torna cada vez mais evidente. O diálogo entre os envolvidos, incluindo clubes, administradores de estádios e organizadores de eventos, é fundamental para encontrar soluções que atendam aos interesses de todas as partes envolvidas e garantam uma experiência positiva tanto para os fãs de futebol quanto para os amantes da música.

No entanto, apesar dos desafios, a convergência entre música e esporte também oferece oportunidades únicas. A possibilidade de atrair um público diversificado para esses espaços cria novas formas de engajamento e amplia o potencial de arrecadação, contribuindo para a expansão e a sustentabilidade do cenário esportivo e cultural do país.

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